(IN)FOrmalidades

quarta-feira, abril 5

Rodrigo Guedes de Carvalho em entrevista:

“Não estou no jornalismo a empatar, ainda tenho uma certa paixão pela profissão.”

No âmbito da apresentação do seu mais novo livro, "Mulher em branco", Rodrigo Guedes de Carvalho esteve presente na Feira do Livro de Braga.
Em entrevista ao (IN)FOrmalidades e ao jornal Académico, falou da formação de jornalistas em Portugal, do argumento de "Coisa Ruim", do seu livro "A Casa Quieta" e das duas paixões: o jornalismo e a escrita.


Paulo Camacho, em entrevista recente ao jornal Mundo Universitário, afirmou que as universidades portuguesas não estão a formar bons jornalistas. Qual é a sua opinião sobre o assunto?

Infelizmente também tenho essa opinião, neste sentido: só podemos chegar a essa conclusão pelos estagiários que chegam agora às redacções e não sei se temos tido azar ou não, mas a grande maioria dos estagiários apresenta graves deficiências ao nível da formação. Para já, penso que terá a ver com o tipo de ensino vigente: é um ensino muito teórico e muito pouco prático e também eu fui vítima disso. Mas depois, regra geral, há graves lacunas de cultura geral, de conhecimento do mundo e também algumas deficiências ao nível da escrita. Muitas pessoas pensam erradamente que, por ser televisão, não é preciso saber escrever bem mas a televisão também se faz com texto, todos os jornalistas têm que escrever os textos das suas reportagens e temos verificado algumas deficiências. Não sei se é justo dizer que isto é geral, mas normalmente os estagiários acabam por não ficar precisamente porque não mostram valor para ficar. Se isso é problema da faculdade ou não, não sei, mas concordo.

Quais são as competências que, neste momento, podem fazer com que um jornalista marque a diferença? O que é, para si, fundamental nesta profissão? Independentemente de ser estudante de Comunicação Social, o que é que faz com que uma pessoa possa vir a ser um bom jornalista?

Uma atenção real ao mundo que o rodeia, porque às vezes os jornalistas são mandados a fazer serviços e estão muito concentrados naquilo que lhes mandaram fazer, neste sentido: um jornalista vai cobrir uma manifestação da CGTP e, por vezes, ao lado pode estar a acontecer qualquer coisa que pode ser noticia, mas como a pessoa acha que aquele é o seu serviço, muitas vezes passa ao lado do verdadeiro acontecimento que poderia ser a noticia. Depois, a forma de fazer as coisas. Os jornalistas não podem, nem devem, ser todos absolutamente originais e não vão todos inventar novas formas de escrever ou de montar as noticias. Mas, o que se verifica, pela nossa experiência, é que as pessoas vão fazendo quase exactamente aquilo a que têm assistido durante anos e anos, perpetuando uma mesma forma de fazer as coisas. O jornalista deve ser atento, saber que a sua profissão é procurar a noticia e não esperar que ela venha ter com ele. Procurar, estar atento e tentar dar, na medida do possível, um cunho pessoal ao seu trabalho, desde que não perca a objectividade. Tudo isso acaba por ajudar a definir os jornalistas que depois vão marcando a diferença.

“Coisa Ruim” é já um filme de referência, não só por ter sido o primeiro filme português a abrir um Fantasporto, mas também por inovar na forma como o género -terror- é tratado. Disse que o grande desafio, ao escrever este argumento, seria o de escrever para um filme de terror mais psicológico. Porque sentiu a necessidade de escrever um argumento nestes moldes? Porquê aquele assunto e porquê Seia?

Seia foi coincidência. Foi Seia como poderia ter sido Trás-os-Montes ou Castelo Branco. Foi lá que encontramos aquela casa, que era um elemento vital no argumento e, quando vimos aquela casa percebemos que seria a ideal. Em relação ao tipo de terror, ou de inquietude que o filme tem, deve-se a dois factores: primeiro, com os meios que há em Portugal, fazer um filme com muito sangue e decapitações acabaria por ser sempre uma produção menor e ridícula, tendo em conta o poder financeiro de quem faz esse tipo de filmes no estrangeiro. Por outro lado, permitiu-me trabalhar aquilo que mais gosto, que são as relações, as pessoas, já que aquilo acabar por ser, acima de tudo, a história da desagregação de uma família. Procurei incutir-lhe não uma atmosfera de sustos, mas sim um ambiente de medo, que é um sentimento que penso que todos nós, desde a mais tenra infância procuramos tanto, nos contos infantis que nos contam como nos filmes que escolhemos ver. O ser humano tem essa necessidade de se arrepiar com qualquer coisa. Ao transformar isso, não há monstros ou aliens, não existe nenhum elemento sobrenatural portanto tudo se passa dentro de um universo que nós conhecemos, o que o torna mais possível de acontecer e, nesse aspecto, parece-me mais aterrorizante do que qualquer “palhaçada” que se pudesse fazer. Acabou por resultar de um jogo de códigos que só o cinema consegue transportar. O nosso próximo argumento já não tem nada a ver com este género. Foi algo que gostei de fazer, mas não é por isso que vamos passar a cultivar esse género em Portugal.

Seria capaz de abandonar o jornalismo para se dedicar inteiramente à escrita?

Ser, seria. O contrário já não, por uma razão. Tenho poucas recordações de infância, mas desde cedo, uma das primeiras paixões que me lembro de ter é a da leitura e escrita. Qualquer escritor começa por ser um leitor e portanto, é uma paixão muito antiga que espero continuar até ao final dos meus dias, independentemente do campo profissional. Os escritores têm uma longevidade muito grande e cada vez mais me convenço de que, mais do que a decrepitude do corpo, a decrepitude da mente é que faz com que as pessoas envelheçam muito depressa. Como o escritor é alguém que está constantemente em ebulição mental, acho que isso os ajuda a viver até mais tarde e a produzirem até mais tarde. Nesse sentido via-me, um dia destes, a deixar o jornalismo e dedicar-me só à escrita. No entanto, com a idade que tenho e com tudo o que acho que ainda quero fazer no jornalismo, essa questão para já não se coloca. Tenho conseguido conciliar as duas coisas. Não é fácil conciliar o trabalho na SIC com a escrita, exige muito, nomeadamente a nível físico e familiar. Mas às vezes pergunto-me. Será que escreveria melhor se tivesse todo o tempo para a escrita? Não sei se esse tempo resultaria numa melhor escrita, portanto não sinto essa necessidade. Não estou no jornalismo a empatar, ainda tenho uma certa paixão pela profissão.


(A entrevista poderá ser lida na íntegra na próxima edição do jornal "Académico")